quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Baseado em fatos

por Rubens Nóbrega

A anunciada Marcha da Maconha prevista para acontecer a 4 de maio em João Pessoa, dá chão para muitas e variadas reações do público e de figuras públicas, algumas da mais inescondível hipocrisia, do mais legítimo falso moralismo.
Não fosse o Caso Isabella, reforçado pela calamidade das chuvas, da dengue e do governo que temos na Paraíba, a Marcha da Maconha daria mais. Daria margem a uma discussão séria sobre a descriminalização das drogas, por exemplo.
Mesmo assim, mesmo estreita a margem, o que não dá é deixar passar a oportunidade para evidenciar uma certeza: a repressão e a proibição de determinadas drogas não resolvem, têm se revelado absolutamente inúteis.
A criminalização vigente, por seu turno, além de discriminante (não alcança cigarro nem bebida alcoólica), é ótima para enriquecer traficantes de drogas e armas, corromper policiais, aniquilar vidas e o patrimônio de milhões de pessoas.
Diante de fatos assim tão reais, sou a favor da descriminalização e liberação do consumo de drogas a controle do Estado, com fiscalização social, técnica, por conselhos formados por médicos, juristas e instituições de ensino e pesquisa.
Agora, tem o seguinte: qualquer mudança na Lei, na direção aqui exposta há que ser precedida de um amplo debate envolvendo governo e sociedade, por todos os seus poderes, instituições e segmentos representativos.

A idéia do promotor

Subsidiando tal debate, adote-se e aplique-se a proposta do Doutor Valério Bronzeado, promotor de Justiça da Paraíba, um dos melhores quadros no Ministério Público Estadual.
Ele sugere que se faça um “um estudo científico com coletas de dados sobre os danos gerados pelo narcotráfico para aferir se liberando as drogas o combate dessas substâncias será socialmente menos ruinoso”.
O Doutor Promotor lembra que “ao se criminalizar as drogas, semelhante ao ocorrido em Chicago durante a Lei Seca, criou-se um fato social devastador, monstruoso, um verdadeiro bicho-de-sete-cabeças, que encontra nas perversas condições sociais um terreno fértil: o tráfico ilícito de entorpecentes”.
Ele suspeita que a criminalização das drogas “fez o tiro sair pela culatra, devido ao aumento significativo da criminalidade violenta em razão do narcotráfico”.
Daí por que, sustenta, seria necessária “uma comparação científica entre as conseqüências sociais ruinosas do comércio ilícito de drogas com os malefícios gerados pelo consumo isoladamente dessas substâncias”.

Objetivos anulados

O promotor acredita ainda que os objetivos da proibição dos entorpecentes, “ou seja, a proteção da saúde pública e da paz social foram anulados e atropelados pelos fatos criminais devastadores(corrupção, chacinas, gastos com repressão e presídios, tráfico de armas, formação de quadrilha, narco-guerrilha etc.) gerados pelo tráfico”.
Um estudo como o sugerido concluirá, acredito, que seria mais proveitoso social e economicamente adotarmos a descriminalização. Fora isso, é continuar enfrentando “perdas humanas, acerto de contas, assassinatos de jovens, policiais etc.”, tão comuns no mundo do narcotráfico.
Além disso, como diz bronzeado, talvez seja mais fácil “lutar contra o consumo e o vício e tratar de eventuais viciados com medidas propedêuticas, prevenção, redução de danos e internação hospitalar do que lutar contra o vício mais as atividades criminosas, penalização do consumidor e encarceramento de milhares de traficantes”.

Careta total

Quero deixar claro que sou careta, dei uns dois tapas na vida e só. Mas o que li e leio, ouvi e ouço, vi e vejo é o suficiente para acompanhar muita gente boa que defendem pra ontem a descriminalização das drogas.
Entre outras excelentes companhias posso citar o saudoso jurista Evandro Lins e Silva, o cientista político Hélio Jaguaribe, Dom Eusébio Oscar Scheid (arcebispo católico do Rio) e o pediatra e professor Antônio Albernaz.
Lembrando, por fim e em termos bem prosaicos, que uma das idéias do amplo contingente que advoga é viabilizar a produção por laboratórios estatais ou credenciados pelo governo e a comercialização através de farmácias especificas.
A droga poderia ser vendida qual remédio de uso contínuo e controlado e somente para maior de 18 anos devidamente cadastrado junto aos órgãos competentes.
A partir da compra, o usuário que partilhasse ou revendesse sua droga seria penalizado com a cassação do seu passe, de sua licença para adquirir o produto e ainda seria internado e tratado na marra pelo Estado.”

Fonte: Jornal Correio da Paraíba, 24 de abril de 2008.

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